sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Ultrassom transvaginal
Ultrassom transvaginalUltrassom transvaginal para rastrear câncer: um exame desnecessário e perigosoA ultrassonografia transvaginal não reduz o risco de morrer de câncer. Pelo contrário, na maneira como este procedimento é praticado hoje em dia no Brasil, pode ser um perigo para a saúde da mulher.
Eu viajo frequentemente ao Brasil, onde estou passando boa parte do ano para pesquisa acadêmica. Adoro o país e os seus habitantes e, diferentemente da maioria dos estrangeiros, tento entender como a sociedade brasileira chegou a ser esta amálgama única de histórias e culturas de vários continentes. Ou seja, tenho uma ideia da “brasilidade” muito além dos estereótipos de samba, futebol e praia. O Brasil, para mim, é um paraíso de dimensões míticas. Apesar disso, onde se tem muita luz, também se vê sombra.
Quando minha namorada brasileira um dia me contou que, ao fazer o exame ginecológico regular, a médica lhe recomendou também uma ultrassonografia transvaginal, eu fiquei um pouco irritado. Eu lhe perguntei se isso era indicado no caso de pacientes de alto risco ou para aquelas que tivessem antecedentes de câncer de ovário na família. Para minha surpresa, ela afirmou que este não era seu caso. O procedimento simplesmente foi realizado de maneira “preventiva”. Tratava-se de um exame de rastreamento. Na verdade, eu não fiquei chocado pelo uso do ultrassom transvaginal em si, pois este método, devido a sua alta resolução da imagem em comparação com a ultrassonografia tradicional, pode ser considerado muito útil para a diagnose de mulheres grávidas ou com sintomas de alguma doença ginecológica, como miomas ou cistos, tal como para exames dos ovários em pacientes de alto risco. Entretanto, este não era o caso.
Na Alemanha, ao contrário, é bem conhecido que o ultrassom transvaginal não deve ser usado desta maneira despreocupada com fins “preventivos”. É por isso que o seguro obrigatório de saúde não paga este procedimento e as entidades médicas oficiais o consideram desnecessário e, inclusive, perigoso. Segundo o Instituto Alemão de Controle de Produtos e Serviços, o beneficio médico deste exame é “quase nulo”, mas os possíveis danos podem ser “consideráveis”. O Serviço Médico dos Seguros de Saúde, por exemplo, não recomenda seu uso para mulheres da “população média”, ou seja, mulheres saudáveis sem sintomas. Sua aplicação seria, porém, indicada caso o exame ginecológico manual mostre alguma anomalia. Do mesmo modo, o Instituto Alemão de Documentação e Informação Médica do Ministério de Saúde (DIMDI) constata que não tem nenhuma evidencia científica que possa justificar este procedimento como exame de rastreamento.
Ao inverso, devido aos frequentes falsos positivos e devido ao pânico que pode causar um diagnóstico errado numa mulher, sem falar das possíveis operações desnecessárias, a ultrassonografia transvaginal “preventiva” é qualificada como um tratamento “negativo”. Os médicos que a oferecem nos seus sites, na contramão das orientações oficiais, ou seja, vendendo o exame como se fosse um serviço particular para a “prevenção do câncer”, são advertidos pela Associação de Proteção ao Consumidor, a ponto de precisarem retirar estes anúncios sob pena de processo jurídico. Por isso, nenhuma organização profissional médica da Alemanha recomenda atualmente este exame para prevenir câncer de ovário ou câncer endometrial, devido aos resultados assustadores de quatro grandes estudos empíricos que foram realizados nos últimos anos na Europa, no Japão e nos EUA.
Nos EUA, tanto a Associação de Ginecologia e Obstetrícia, como o Instituto Nacional de Câncer que aconselha o governo dos EUA, assim como todas as grandes instituições de pesquisa oncológica, rechaçam este método como forma de prevenir o câncer. Segundo a Aliança Nacional contra o Câncer de Ovário, os riscos provocados por falsos positivos não são menores, pois algumas mulheres já até morreram por causa de operações desnecessárias.
Isto tem a ver com o resultado de um estudo realizado pelo Insituto Nacional de Câncer (Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian Cancer Screening Trial, PLCO), publicado em 2011, onde é evidenciado que, até hoje, quase nenhuma mulher tenha se salvado do câncer graças à ultrassonografia transvaginal. Este estudo randomizado se fundamenta na base empírica mais completa até agora. Trata-se de uma pesquisa realizada com cerca de 78.000 voluntárias durante treze anos, ou seja, baseando-se numa mostra estatisticamente bastante significativa. No final do estudo, no entanto, o grupo das pacientes tratadas com ultrassom transvaginal obteve uma taxa de morte por câncer de ovário mais alta do que o grupo das mulheres tratadas com métodos convencionais (118/100)! O grande problema é que o câncer de ovário é um assassino silencioso e agressivo, sem ter muitas possibilidades de ser detectado num estado preliminar, caso exista estado preliminar. Convencer as mulheres que a ultrassonografia oferece uma espécie de “proteção” contra a doença é simplesmente uma mentira, além de ser absolutamente antiético, pois cria uma falsa ilusão de salubridade nas mesmas. Até hoje, a etiologia deste câncer é desconhecida, sua detecção e sua cura são difíceis.
Mas o que transforma o ultrassom transvaginal num perigo grave para muitas pacientes é a alta taxa de falsos alarmes que este método produz, como já os tinha mencionado antes. Segundo as pesquisas europeias e norte-americanas, a precisão do método é tão baixa que entre 8% e 12% das mulheres recebem resultados falsos positivos, e muitos tumores existentes simplesmente não são detectados, pois a tecnologia ainda não é suficientemente madura. É mais um aspecto assustador do estudo PLCO: em cada 100 mulheres, nas quais o ultrassom transvaginal encontrou uma anomalia, no final, só uma mulher foi diagnosticada com câncer de ovário. As outras 99 anomalias achadas eram, portanto, casos de sobrediagnóstico. De todo modo, um terço destas mulheres teve que se submeter a uma intervenção cirúrgica, e no caso de um sexto destas pacientes, em suas operações houve complicações graves.
Os responsáveis da pesquisa resumem os resultados da seguinte maneira: “Este estudo mostra que os testes disponíveis não são eficazes e podem realmente causar danos por causa do elevado número de falsos positivos. Estes resultados apontam para a necessidade contínua de ferramentas de rastreio mais precisas e eficazes.”
Depois de me aprofundar um pouco nesta matéria, eu fiz uma pequena pesquisa na internet para saber qual a opinião dos médicos brasileiros sobre o assunto. E desta vez o choque foi ainda maior! Não há praticamente nenhum site que esclareça, de maneira neutra, as limitações e riscos da ultrassonografia transvaginal. Pelo contrário, quase todos os sites de clínicas e consultórios enaltecem este exame como um excelente método para prevenir o câncer. Recomenda-se o seu uso em intervalos regulares para mulheres completamente saudáveis: Assim, no site www.oncoguia.org.br, podemos ler o seguinte: “O melhor método para avaliação periódica e preventiva do câncer de ovário é o ultrassom transvaginal, que é o exame que apresenta sensibilidade e especificidade para detectar o câncer ovariano.”
Além disso, não achei nenhum site que fizesse referência aos estudos empíricos dos EUA e da Europa, embora os resultados do estudo PLCO fossem amplamente divulgados nas revistas especializadas e na imprensa. Pergunto-me então: Por que acontece isto no Brasil? Como pode não haver nenhum tipo de reflexão crítica sobre o assunto? A ciência não é universal? Enquanto os médicos brasileiros parecem desconhecer os riscos deste método, na Alemanha, uma equipe de médicos contratada pelo Ministério de Saúde acaba de ganhar um prêmio por ter comprovado os perigos deste exame por meio da pesquisa empírica (Prêmio David Sackett por medicina baseada em evidência, 16 de março de 2012)! No reporte final do seu estudo, fica evidente que o exame traz mais malefícios do que benefícios para uma grande parte das mulheres, quando praticado de maneira “preventiva”. Os autores também recomendam aos médicos que fiquem mais cientes dos estudos empíricos, em vez de se orientar somente nas suas experiências práticas. Por último, exigem que as pacientes devam ser informadas de maneira transparente e imparcial sobre os riscos e limitações deste exame.