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WSPA


Reinaldo Louviral é o novo Diretor Nacional da WSPA Brasil. Ele assume o lugar de Moacyr Bittencourt, atual Diretor da América Central, México e Caribe, que ocupava o cargo interinamente desde dezembro de 2012.
 
O novo líder da WSPA Brasil deixou a Coordenação-Geral de Gestão de Ecossistemas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Antes disso, foi Diretor Sênior para o Pantanal da Conservation International e Coordenador de Ciências para a Amazônia da The Nature Conservancy (TNC). Tem ampla experiência em pesquisa científica na área de biodiversidade, planejamento em conservação ambiental, desenvolvimento empresarial em ecoturismo e estudos populacionais de animais silvestres.
 
Ele será um dos membros da equipe sênior de lideranças da América Latina e da equipe de gestão sênior da WSPA global. Uma de suas primeiras responsabilidades será a de estabelecer o novo escritório da WSPA em São Paulo, localizado na Avenida Paulista. Em especial para os apoiadores da WSPA, Reinaldo fala sobre os principais projetos da WSPA Brasil para os próximos anos.

1) Sabe-se que seu envolvimento com a causa de proteção ao meio ambiente é de longa data. Poderia nos contar mais a respeito?

Comecei minha vida profissional trabalhando com primatas da América do Sul. O Brasil é o maior detentor de espécies no mundo e, portanto, fiquei extasiado com a diversidade de formas e níveis de especialização dos nossos parentes mais próximos no reino animal. Na sequência, fui convidado a integrar a equipe do Zoológico do Rio, onde, por alguns anos, fui curador para os mamíferos da Fundação RioZoo. Estas duas experiências me levaram a entender que a proteção da natureza estava no cerne da sobrevivência das diversas formas de vida animal e por aí fui me embrenhando pelo Brasil. Aprendi ainda que nós, brasileiros, adoramos uma boa e bem contada história e que, com histórias bem contadas, a sociedade se articula e se mobiliza para a solução de seus problemas mais complexos. Nesse embrenhar pelo Brasil, fui para o Pará trabalhar com Etnozoologia, como pesquisador associado no Museu Goeldi. A ideia era entender a sustentabilidade no modelo de caça tradicional dos índios Kayapó, com o antropólogo e pesquisador já falecido, Dr. Darrel Posey. Esta experiência me levou ao Pantanal onde trabalhei neste tema e em outros por muitos anos. Trabalhar na interface homem-natureza, particularmente associado às espécies animais, passou a ser meu foco profissional e ponto principal de minha satisfação profissional. Partindo então dos trabalhos no Pantanal com a Conservation International, exploramos diversas oportunidades de conservação regional e proteção de espécies de nossa fauna. Criamos um programa muito forte regionalmente com doações, parcerias oficiais, criação de empreendimentos ecoturísticos, expedições científicas, enfim, 15 anos dedicados à proteção da maior e uma das mais ricas áreas úmidas do planeta, sobretudo, um paraíso na terra. O Pantanal me despertou, por questões pessoais, para o universo da pecuária, onde desenvolvemos um programa forte de estruturação do setor voltado à produção certificada de carne orgânica. Ao logo de 12 anos, criamos diretamente ou apoiamos a proteção formal de mais de 200 mil hectares de reservas públicas e privadas. Neste contexto, foi que decidi ir para a Austrália, para cursar o doutorado. Eu queria entender como poderíamos desenhar e planejar áreas protegidas em sistemas naturais, muito dinâmicos, onde num dia está tudo seco e, no dia seguinte, a cheia traz uma explosão de vida diferente. Na Austrália, dei sorte de participar de um dos grupos de pesquisa mais fortes em planejamento sistemático para a conservação. Neste grupo, várias ferramentas de apoio à decisão estão sendo desenvolvidas, o que me orientou a formular e endereçar o problema que me afligia no Pantanal. No retorno para o Brasil, com vários artigos científicos - uma tese e um título, fui rapidamente convidado a integrar o time da The Nature Conservancy (TNC). Então, fui trabalhar para a Amazônia, na TNC. O foco da ciência era dividido em dois programas. Um tinha o objetivo de subsidiar as decisões relativas ao programa de ordenamento territorial e ambiental das terras indígenas da Amazônia. A outra estratégia da TNC na América Latina (para Bacia amazônica) era trabalhar com o processo de ordenamento da atividade agropecuária, com forte ênfase no chamado CAR (Cadastro Ambiental Rural), como forma de chegar ao ordenamento territorial. Esta experiência me ensinou outras coisas sobre a interface homem-natureza: a de que programas governamentais bem fundamentados podem controlar e regular a perda de espécies e ambientes naturais, mas que, sobretudo, a responsabilidade individual sobre problemas coletivos (como a perda de florestas, contaminação das águas e risco de extinção) podem ser mediados pela sociedade, desde que o governo seja firme nos mecanismos de comando e controle. Aprendi, sobretudo, que a integração latino-americana tem um papel fundamental nestas soluções. A despeito das diferenças regionais, nós, latino-americanos, somos feitos da mesma amálgama.

2) Sendo a WSPA uma organização global, quais os principais projetos para o Brasil nos próximos anos?

Acredito que 2013 será um ano de consolidar a estrutura e a posição da WSPA no país. Todas as mudanças que ocorreram recentemente foram um aprendizado para nós restabelecermos os nossos relacionamentos com parceiros e construirmos uma base sólida para impulsionar as operações no Brasil, alinhados à estratégia global da organização. Meu objetivo é formar uma equipe que trabalhe de forma integrada em um só pensamento, onde possamos desenhar uma estratégia para o futuro da WSPA Brasil de acordo com as campanhas atuais e através da avaliação de oportunidades, necessidades e emergências que precisaremos enfrentar no país, além de preparar nosso time para alcançar (seja diretamente ou através de parcerias) os novos desafios. Também precisamos renovar o nosso conselho nacional, a fim de alavancar a nossa capacidade de captação de recursos. Desta forma, poderemos atender aos desafios acima mencionados com os recursos adequados.

3) Em sua opinião, o Brasil tem políticas públicas e legislação avançadas em relação ao bem-estar animal? Quais os planos da WSPA neste sentido?

Como falei acima, o papel regulador do Estado em colaboração com a sociedade organizada pode alavancar mudanças sem precedentes no país. Assim é que se consegue humanizar a indústria e o capital, amenizando seus impactos sobre os ecossistemas naturais e as espécies, sejam elas silvestres ou domésticas. Ter um comportamento ético é uma prerrogativa e imposição à vida em sociedade e esta ética em relação à vida, aos seres que compartilham conosco esse planeta e, sobretudo, a ética com o semelhante, que é o que nos afasta da barbárie. Assim, se cada um fizer sua parte, nosso caminhar na terra, que pegamos emprestada de nossos filhos e netos, passa a ser muito mais harmônica e sustentável. Neste sentido, a sociedade, organizadamente ou não, pode exigir padrões da indústria e dos governos e do Ministério Público, que tem a obrigação de garantir, seja através de estímulos, da normatização ou da fiscalização, demandas que visem aprimorar a ética em relação à vida, a produção e qualidade dos alimentos. Nosso plano, portanto, tem direta relação com estes itens acima. Atuaremos, então, através de programas de capacitação e mobilização da sociedade, governos e empresas por um comportamento ético em relação à vida, o que inclui a nós mesmos e aos animais, que conosco convivem e nos oferecem alimentos, sempre priorizando o seu bem-estar. 
 
4) A relação entre desenvolvimento sustentável e bem-estar animal ainda é pouco compreendida por muitos públicos no Brasil e no mundo. Você concorda? Como podemos conscientizar as pessoas a adotarem atitudes mais positivas em relação aos animais?

Creio que existem duas vertentes na questão. A primeira está ligada a nosso papel em relação a questões globais que afetam simultaneamente a humanidade e seus sistemas produtivos (p.ex. agropecuária, energia, saúde e sistemas urbanos) bem como os sistemas naturais. Aqui, falo do risco de catástrofes naturais e seus impactos sobre homens e animais, além de uma estratégia de redução de riscos e mitigação de impactos. A outra, diz respeito à sustentabilidade na produção de alimentos saudáveis. Aqui, a inovação tecnológica e estudos bem elaborados podem impactar bilhões de animais melhorando seu bem-estar e, por conseguinte, a qualidade de produtos em serviços que estes nos fornecem. Há, nestes componentes, elementos de natureza cultural que precisam ser modificados, melhorados e eliminados (como no caso da caça às baleias e  touradas). São comportamentos antigos e eventualmente arraigados à cultura, mas que são muito pouco éticos, e como tal precisam de uma ação positiva da sociedade, caso esta considere tais costumes inadequados à evolução da sociedade. Nada como uma arena sem expectadores e uma programação de TV sem audiência para eliminar este costume. Nada como uma ação enérgica da Comissão Internacional da Baleia para eliminar um argumento que se diz científico, mas que nada agrega a sociedade. Enfim, creio que as soluções estejam na mão da sociedade, seja através da ação cidadã, seja através de fórum organizado para um fim específico.
 
5) Qual a sua mensagem para os apoiadores da WSPA e amigos dos animais no Brasil?
Que nos apoiem nesta caminhada de capacitar a indústria, conscientizar o cidadão e cobrar dos governos a sua responsabilidade. Nossos resultados dependem deste apoio, seja no próprio país, seja na busca de uma nova perspectiva global mais ética. 

MARCELO SILVA

Folha - Como foi o "casamento" com Luiza Helena Trajano, dona do Magazine Luiza


Marcelo Silva - Eu a conheci em 2004 no IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), que reúne as empresas formais do setor, que vendem com nota, formalizam os empregados. Percebemos uma sintonia de valores muito forte. Em 2006, ela já tinha decidido profissionalizar mais a gestão e me convidou para ser o CEO. Mas eu não podia sair das Pernambucanas, precisava esperar 2008 terminar, porque era o ano de seu centenário. Sou pernambucano e não faria isso com nenhuma empresa. Ela disse então que, quando eu decidisse, que a procurasse.
E ela esperou?
Quando terminou 2008, falei com os acionistas e formalizei minha decisão em reunião do conselho. Telefonei e disse: "Luiza, cumprindo o que falei, deixei a Pernambucanas ontem". Mas não havia compromisso dela comigo, nem meu com ela. Disse que queria fazer um sabático, um curso em Harvard. Mas ela disse que precisava de mim e Harvard ficou para depois.
Qual foi a sua trajetória até chegar ao varejo?
Sou de Palmares, nasci num pequeno engenho de cana-de-açúcar de Pernambuco. Meu pai queria estudar, meu avó podia [bancar], dizia que iria mandar os filhos estudar no Nordeste, mas nunca mandou. Meu pai se casou com minha mãe, tiveram 12 filhos, e a obsessão dele era com os estudos. Estudamos em colégio interno, mas chegou em um ponto em que a gente não tinha mais como estudar. Fomos para Recife estudar e comecei a trabalhar aos 15 anos como escriturário.
Aos 20, no terceiro ano de faculdade, surgiu a oportunidade de trabalhar na Arthur Andersen, empresa falecida estupidamente por conta de pessoas que colocaram os interesses financeiros acima dos valores éticos. Foi isso o que aconteceu com ela e muitas outras empresas. Quando o ganho está acima de tudo, você passa por cima da ética, da moral, do legal, porque o que prevalece é o dinheiro.
Mas e a cobrança por resultados, eficiência?
Como CEO, me perguntam se não gosto de resultado. Gosto, não; tenho de dar resultado. Caso contrário, você está fora. Mas não posso obter resultado passando por cima de pessoas. Uma empresa que abre o capital tem de tomar cuidado, o mercado demanda resultados de qualquer maneira. Quando você passa por cima dos colaboradores, você passa por cima dos clientes. É isso o que acontece com a maioria das empresas. Vim para uma empresa que não pensa assim, que nunca vai demandar de mim fazer lucro de qualquer maneira.
Se quiser me demandar dar lucro de qualquer maneira, estou fora. Não vale a pena. Não estou dizendo isso por ser melhor do que ninguém, é por que acredito nisso. Nas Pernambucanas, trabalhei seis anos e meio sem passar por cima de ninguém.
Por falar em resultados, como está o varejo?
O varejo não está em rota de crescimento. O brasileiro está mais cauteloso, ouve sobre a inflação e isso mexe com sua cabeça. Mas achamos que o segundo semestre será melhor. Sempre olho o copo e o vejo meio cheio. Tem uma série de medidas sendo adotadas, como a desoneração [que terão impacto]. A economia não decola por obra e graça do Espírito Santo. 2013 será melhor que 2012.
A classe média parou de comprar?
Com pleno emprego, não há esgotamento do consumo. Estamos longe disso. Acompanho os dados do Caged [cadastro de emprego do governo], me preocuparei se o desemprego aumentar. A entrada de consumidores na classe C continua, e essa faixa, quase toda, ainda tem de comprar lavadora, por exemplo. Quem já tem geladeira quer mudar para uma melhor, frost-free, o mesmo acontece com a televisão, LED. Mais casas estão em construção e precisarão de móveis.
Precisamos fazer a inflação ter um patamar adequado, o desemprego sob controle e juros menores, assim a economia vai crescendo.
Como o varejo pode crescer sem perder suas raízes, sem se descaracterizar?
Nós somos um dos três cachorros grandes do varejo. Esse tamanho é uma base em que queríamos estar. É possível [crescer mais], mas o desafio é maior. São 22 mil colaboradores, 1.200 líderes. Em treinamentos, levamos esse pessoal para um hotel em Atibaia dizendo: vocês não podem embutir seguro e garantia estendida. Não podem fazer isso. Isso é gol de mão. Não façam isso.
A concorrência faz gol de mão?
Muitos fazem. E, se fizerem na gente, tomamos providência. A Luiza fala o tempo todo nisso. Temos um código de conduta que não pode ficar no papel. Mas são 22 mil pessoas, esse é o maior desafio. Por que quando se coloca o lucro à frente de qualquer coisa fica difícil.
Se você é o CEO e os maiores acionistas não prezarem isso, esqueça, não tem a menor chance. Vim trabalhar aqui, no Magazine, porque percebi que os valores coincidiam com os meus.
Como o varejo pode crescer sem perder os valores?
Trocou de dono, perde a referência. É um desafio passar o bastão em mãos que vai manter esses valores. O dia que essa empresa sair das mãos dos Trajanos, será uma empresa como outra, onde prevalecerão os resultados. Trabalhei 24 anos no supermercado Bompreço e assisti a isso. Por isso, fiz questão que Frederico [Trajano, filho e diretor da rede] fizesse o prefácio do meu segundo livro. Ele é como a mãe, coloca os valores na empresa.
Não aceito colocar a ganância e lucro acima das pessoas. Vai ter de passar acima de mim. Não concordo que as pessoas não sejam a coisa mais importante no planeta. Agora, os políticos descobriram que emprego garante eleição. Obama, Lula, Dilma, todo mundo descobriu isso. Tem desemprego? Perde o cargo ou não é reeleito. O povo vai votar na oposição no pressuposto de que aquele vai dar emprego.
O sr. já fez demissões em massa?
Em 2009, quando veio a crise, foi preciso ajustar os quadros da Pernambucanas à realidade das vendas. Decidi não estabelecer um percentual. Pedi para que fizessem uma avaliação para eliminar os improdutivos e os aqueles que não aderiram aos valores da companhia. Quando você estabelece um percentual, pode cometer um festival de injustiças. Dei essa ordem muito angustiado, com a música de Gonzaguinha na cabeça.
Qual música?
No dia da demissão fui para casa com a canção "Um homem também chora", de Gonzaguinha, martelando minha cabeça: "Um homem se humilha, se castra, seu sonho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. Vê quem tem honra na miséria e sem trabalho? E sem a sua honra, se morre, se mata... Não dá para ser feliz, não dá para ser feliz..." Por isso digo que gente não é salame para ser fatiada. "Corta 10%, corta 15%".
Existe uma receita, uma filosofia para comandar uma companhia?
Tudo que sei é porque devo a alguém e porque a vida me ensinou. Por isso fiz o livro, com esse tema. A essência é acreditar e apostar nas pessoas. Muita gente diz que as pessoas estão em primeiro lugar, mas não pratica isso. Cada vez mais as empresas têm essa consciência, mas sem prática. Com as demandas por resultado, velocidade para obtê-los, muitas empresas atropelam isso. Não abdico dos resultados, empresa que não dá resultado está fora. Mas o grande desafio é dar resultado sem passar por cima das pessoas.
Apesar da sintonia de valores com a rede, o sr. já é cobrado pela dona Luiza?
Quando a gente não entrega para o cliente no prazo, por exemplo, somos cobrados, ela reclama. Ela mantém contado direto com os clientes e cobra, mesmo: "Olha, tem entrega atrasada".
Como são as negociações com fornecedores?
É de ganha-ganha. Não tem ganha- perde, isso não é sustentável. Procuramos manter negociação normal para os dois lados. Não temos queda de braço. Cada empresa tem seu modelo [de agir nas negociações], não quero avaliar os outros. Há vários grandes fornecedores, Whirpool, Samsung, Philco, ELetrolux, Mabe, LG.
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HOMEOPATIA NO SUS

HARMACIA BRASILEIRA - Quantos medicamentos homeopáticos serão disponibilizados à população? E que doenças poderão ser tratadas com eles?

Dra. Márcia Gutierrez - Aos poucos, felizmente, a PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) vai se implantando, graças ao apoio de parceiros empenhados em vê-la consolidada. Um desses parceiros é o Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde - o DAF.

Por empenho do DAF, o Ministério da Saúde, no final de 2007, publicou a Portaria 3237, que define o elenco de referência dos medicamentos e insumos do componente básico da Assistência Farmacêutica. Traduzindo, trata-se da lista de medicamentos prioritários à atenção básica à saúde e compõe a Rename (Relação Nacional de Medicamentos).

Nessa Portaria, como conquista do DAF, foram incluídos dois medicamento fitoterápicos (Maytenus ilicifolia - espinheira santa, e Mykania glomerata - guaco) e medicamentos homeopáticos contidos na Farmacopéia Homeopática Brasileira 2ª. Edição. Estamos falando de cerca de 450 medicamentos homeopáticos. Esse número se amplia, e muito, quando pensamos em todas as escalas e potências possíveis para cada um deles.

A Portaria registra a homeopatia, como ela acontece, no Brasil, ou seja, ela não está presa a poucos medicamentos ou formulações que engessam as possibilidades de prescrição do médico. Ao contrário, ela garante que o homeopata brasileiro pode, também, no SUS, desenvolver a homeopatia que se faz, no Brasil.
PHARMACIA BRASILEIRA - E as doenças, quais poderão ser tratadas com esses medicamentos?
Dra. Márcia Gutierrez - Para responder sobre as doenças que os medicamentos poderão tratar, precisamos explicar que a homeopatia não trata a doença e, sim, o doente. Na homeopatia, não existe um medicamento, por exemplo, antiinflamatório. O médico homeopata, diante de um processo inflamatório, dentre outras orientações possíveis, poderá prescrever um medicamento que atenda às características deste paciente, nesse processo.
Por exemplo, há dois pacientes com um processo inflamatório no ouvido em uma queixa comum: a dor. Contudo, na anamnese, o médico vai encontrar sintomas que os diferencia. Um pode ter dor latejante, pulsante, enquanto o outro relata uma dor cortante. Um manifesta que a dor é sazonal e, sempre, acontece no mesmo ouvido. O outro fala que ela pode ocorrer, em momentos diversos e alterando os lados.
Sintomas mentais relacionados ao processo inflamatório, também, podem ajudar a diferenciar os pacientes, como depressão e tristeza, durante a dor, e irritação ou agitação no outro. Assim, a prescrição do medicamento atenderá a totalidade sintomática do paciente e não só sua queixa principal. Dois pacientes com inflamação de ouvido podem, na homeopatia, receber medicamentos diferentes.
Isto tudo é para dizer que não é possível listar as doenças tratadas por homeopatia, pois todas as pessoas podem ser tratadas. Existem limites, como existem limites em todas as terapêuticas.
PHARMACIA BRASILEIRA - Que benefícios a homeopatia trará, tanto para a rede pública, quanto para a população?
Dra. Márcia Gutierrez - Os números do SUS são, sempre, de grandes dimensões. Ao pensarmos que 150 milhões de pessoas são clientes do SUS, todo o custo que puder ser reduzido é significativo e pode trazer mudanças no fluxo de atendimento.

Comparado a muitos medicamentos alopáticos, hoje, adquiridos pelo SUS, medicamentos homeopáticos têm custo reduzido, mas esta não é a maior economia. A experiência na clínica homeopática mostra que o sucesso terapêutico na homeopatia está na restauração de um estado de equilíbrio do paciente, que evitará o seu retorno, por diferentes queixas relacionadas, ao mesmo mal. Menos retorno, menos custo, menor demanda, maior possibilidade de melhoria na qualidade do atendimento.

Todo sistema de saúde tem, sempre, uma equação difícil de ser resolvida: oferecer um bom serviço a baixo custo. Já para o paciente, e isto é o que de fato deveria ser o mais importante, os benefícios são muitos.

Gostaria de ressaltar a mudança cultural que um tratamento homeopático pode causar na vida de um paciente. Diferente da medicina convencional, a homeopatia não está fundamentada, centralizada no medicamento. O foco, e centro da atenção do médico homeopata, são o paciente e sua condição de adoecimento.

Diferente ainda da medicina convencional, que se prende ao medicamento, na homeopatia, o medicamento é uma das possibilidades dentro do tratamento. A homeopatia é uma medicina holística. Então, medicamento homeopático ou não, não será efetivo, se outros fatores que favorecem os estados de desequilíbrio não forem corrigidos ou reorientados.

Esta atenção com o paciente, quando absorvida por ele, será útil para uma vida inteira. A auto-observação, fundamental no tratamento homeopático, permite que o paciente saiba que caminhos o levam a um estado de doença, ou os mantêm em estado de saúde, de equilíbrio.
PHARMACIA BRASILEIRA - O medicamento homeopático é menos vulnerável a reações adversas e a interações, suscita menos a prática do uso irracional, e a adesão do seu usuário ao tratamento é maior. A senhora pode falar desses benefícios?
Dra. Márcia Gutierrez - Existem duas grandes qualidades do medicamento homeopático que precisam ser ressaltadas, que são a sua segurança e a sua eficácia. 

A segurança se dá, porque são utilizadas ultra-diluições das substâncias que deram origem ao medicamento. Ou seja, não existem riscos de intoxicação, superdosagem etc. Contudo, o uso inadequado pode, sim, mascarar sintomas, ou levar a interpretações erradas quanto à evolução do paciente, diante do tratamento.

Assim, medicamentos homeopáticos não ficam dispensados de uma prescrição feita por profissional habilitado e de uma atenção farmacêutica que poderá guiar o paciente para a melhor conduta a ser tomada, durante o tratamento.

Sua eficácia depende, também, obviamente, da correta indicação. O médico homeopata, se receber as informações necessárias por parte do paciente e dispõe do arsenal terapêutico adequado, conseguirá sucesso em sua clínica e isto é o que temos presenciado, ao longo dos anos, e do contato direto com paciente de homeopatia.
PHARMACIA BRASILEIRA - Os medicamentos dispensados nas farmácias da rede SUS precisam ser prescritos pelos médicos. Há médicos homeopatas em número suficiente para atender a toda a população? 
Dra. Márcia Gutierrez - A homeopatia é uma especialidade reconhecida pelo CRM (Conselho Regional de Medicina) e pelo CRMV (Conselho Regional de Medicina Veterinária). Assim, apenas estes profissionais e, também, os odontólogos podem prescrever medicamentos homeopáticos. Também, os farmacêuticos têm a especialidade em homeopatia reconhecida pelo CFF. Uma farmácia que manipula medicamentos homeopáticos necessariamente deve ter inscrito no CRF um profissional especialista em homeopatia, de acordo com a Resolução 440/CFF.

Sobre médicos, no SUS, temos alguns dados recentes que nos ajudam a perceber o bom desafio que temos pela frente. Estima-se que, no Brasil, existam, hoje, 15.000 médicos homeopatas, mas apenas cerca de 500 deles estão, no SUS, exercendo homeopatia. Isto é muito pouco, já que o SUS anualmente realiza 1 bilhão e 300 milhões de atendimento e destes 250.000 são em homeopatia.

O Brasil tem cerca de 5500 Municípios e apenas 157 deles oferecem homeopatia, nos centros de saúde. Concluindo, existe um grande passo a ser dado em número de atendimento em homeopatia que necessitará de um maior número de médicos homeopatas atuando no SUS. Embora não apareçam nesse senso apresentado, eles existem e podem ser deslocados para atendimento no SUS. Este é um dos detalhamentos a serem feitos na política.

O número de farmácias homeopáticas, no SUS, também, não é adequado à necessidade que se aproxima. Será necessário encontrar formas de viabilizar o acesso ao medicamento homeopático, seja na forma de parceria com a farmácia privada, seja na construção da farmácia homeopática pública, do laboratório industrial homeopático para o atendimento, no Estado, ou todas estas alternativas juntas. O importante é que, para todas elas, o farmacêutico homeopata é fundamental.

Uma boa notícia é que, no NASF (Núcleo de Atenção à Saúde da Família), farmacêuticos e médicos homeopatas estão incluídos e já há uma demanda do Ministério da Saúde / DAF para um programa de formação e profissionais homeopatas para o SUS.

Há um reflexo deste processo, que, a médio ou longo prazos, deverá ocorrer. Hoje, 70% dos profissionais médicos que se formam na Universidade são direcionados para trabalho no SUS. As faculdades de Medicina não formam homeopatas e nem médicos fitoterapeutas. Reitores devem estar atentos para o fato de que para formar um profissional médico preparado para o SUS,   deverá  formá-lo, também, nestas especialidades. Havendo esta formação, na academia, grupos de pesquisa se formam e uma nova cadeia de conhecimento será gerada.
PHARMACIA BRASILEIRA - Outro problema - e com a mesma dimensão - é o seguinte: o modelo de farmácia homeopática, no Brasil, é individualizado e não em série. Ou seja, cada medicamento é produzido para um determinado paciente. O que os farmacêuticos, que são responsáveis pela produção e dispensação dos medicamentos, irão fazer para atender a uma demanda tão grande, no SUS? 
Dra. Márcia Gutierrez - O gestor poderá adquirir medicamentos homeopáticos industrializados e esta é uma prática comum na aquisição de medicamentos alopáticos. No Brasil, existem laboratórios produtores de medicamentos homeopáticos. Contudo, a manipulação homeopática deverá ser muito solicitada pelo SUS, até pelas características da prescrição e da terapêutica.

Houve algumas experiências de sucesso em que o gestor optou pela implantação de uma farmácia pública homeopática (Juiz de Fora, São Paulo e Porto Alegre são alguns exemplos). Imaginamos que os pequenos centros deverão optar pela parceria com a farmácia privada. A Resolução 67, que trata das Boas Práticas de Manipulação, é exigida, também, com a farmácia pública, que poderá encontrar uma barreira econômica para se adequar.

A farmácia privada já tem um sistema de BPMFH (boas práticas), por exigência legal, ou seja, já se encontra em condição de produzir, com menor custo, ao Estado.

Na ausência de fornecedores de medicamentos industrializados, o Município poderá adquirir medicamentos homeopáticos e/ou fitoterápicos manipulados, de acordo com o item 5.10 da RDC número 67/2007 (anexo1): "em caráter excepcional, considerando o interesse público, desde que comprovada a inexistência do produto no mercado e justificada tecnicamente a necessidade da manipulação, a farmácia poderá ser contratada, conforme legislação em vigor, para o atendimento de preparações magistrais e oficinais, requeridas por estabelecimentos hospitalares e congêneres".

O farmacêutico homeopata deve estar bem atento a tudo isto e manter a sua farmácia, os seus colaboradores e toda equipe bem ajustados para um período de muita atividade no setor de manipulação homeopática. É bom lembrar que a preparação de medicamentos homeopáticos envolve uma técnica simples, o que é um fator muito positivo e facilitador na sua elaboração.

Contudo, a qualificação de fornecedores, a padronização de técnicas e o controle de processo magistral homeopático (não se espante, pois isto existe e é aplicável à homeopatia) são as garantias da qualidade do medicamento.
PHARMACIA BRASILEIRA - O aumento repentino da demanda e a possibilidade de um não atendimento integral por parte dos farmacêuticos facilitariam a exploração da produção de homeopáticos e mesmo de serviços por aproveitadores ou por charlatães? A ABFH está atenta a esse risco iminente?
Dra. Márcia Gutierrez - Muita coisa foi construída, nos últimos anos, nesse sentido, pela ABFH (Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas), pelas Associações Regionais, por grupos de pesquisa em Homeopatia e pela FHB (Farmacopéia Homeopática Brasileira). Todos que estiverem interessados neste caminho precisam estar atualizados.

A farmácia e o farmacêutico podem acelerar este processo, envolvendo-se nas ações de divulgação da PNPIC, ou apenas contando aos cidadãos sobre o seu direito garantido pela política.

A ABFH prima pela defesa da Homeopatia e do farmacêutico homeopata. Ao longo destas quase duas décadas de existência, vem acompanhado a evolução do segmento de farmácia magistral e sabe que a farmacotécnica homeopática e os processos magistrais homeopáticos devem acompanhar este momento em que a qualidade deve estar presente em todas as etapas do processo, seja da escolha dos insumos utilizados, qualificação dos fornecedores, aprimoramento e padronização da técnica, até a atenção farmacêutica em homeopatia, em que os reais conhecimentos em Homeopatia por parte do farmacêutico são testados e são fundamentais na adesão do paciente ao tratamento. A ABFH está envolvida em projetos que facilitem a inclusão do farmacêutico homeopata nesse processo.
PHARMACIA BRASILEIRA - A entrada da Homeopatia, no SUS, é resultado da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), criada pela Portaria 971/2006, do Ministério da Saúde. O que significa esta política?
Dra. Márcia Gutierrez - A homeopatia está, oficialmente, no SUS, graças à PNPIC. A Política é uma recomendação feita aos gestores de saúde, em todas as esferas, ou seja, municipal, estadual e federal, para que disponibilizem atendimento em saúde à população por práticas antes não previstas, como a fitoterapia, a homeopatia, a acupuntura e outras.

Contudo, esta Portaria deve gerar conseqüências e estas conseqüências é que estão para acontecer. Muitas iniciativas devem ser tomadas, a partir da política para a implantação deste novo serviço, mas a política não as prevê. Os gestores não sabem como implantar, que recursos estarão disponíveis e até mesmo quais serão necessários.

A Política descreve diretrizes, mas não define o quanto será investido para o seu desenvolvimento. Entende-se que este segundo momento da política acontecerá, quando houver demanda. Então, agora, a população, o cidadão e usuário do SUS deve saber que ele tem direito a escolher por uma terapêutica diferente da convencional (alopática) e o Estado o dever de prover-lhe.
PHARMACIA BRASILEIRA - A ABFH criou um programa de qualificação para farmácias e farmacêuticos homeopatas. O programa foi produzido, levando-se em conta este momento de expansão da produção?
Dra. Márcia Gutierrez - O aumento na demanda por homeopatia deve ocorrer, num tempo muito curto, e insistimos que será bom que todos os interessados estejam preparados. O setor magistral qualificou-se muito, nos últimos anos, e a homeopatia acompanhou esse movimento de qualidade.

Contudo, existem peculiaridades na homeopatia que nos diferenciam da manipulação alopática, mas que também exigem soluções diferenciadas.

Por exemplo, o controle de qualidade de matérias-primas utilizadas na alopatia em geral pode ser encontrado em farmacopéias e compêndios especializados.

Como realizar controle de qualidade de matrizes homeopáticas? Como assegurar a qualidade de matrizes homeopáticas em estoque, por anos, em nossas farmácias? A ABFH estabeleceu um protocolo de análise de matrizes, que concentrará dados, em nível nacional, permitindo que, a partir deles, possamos definir prazo de validade, condições ideais de armazenamento e conseqüentemente prazo de validade.

Este é um dos componentes do Qualihfarma, que deverá, ainda, contemplar a educação continuada à distância e a qualificação de fornecedores. A primeira parte deste programa que trata do controle de qualidade já está em andamento e os interessados podem procurar a ABFH para maiores informações.
PHARMACIA BRASILEIRA - Como a senhora avalia a qualificação dos farmacêuticos homeopatas brasileiros?
Dra. Márcia Gutierrez - O farmacêutico homeopata brasileiro tem uma oportunidade de desenvolvimento de trabalho que é invejada por boa parte dos farmacêuticos homeopatas do restante do mundo. Aqui, manipulamos, mediante prescrição e com toda a individualização necessária para o atendimento das necessidades do paciente.

Mesmo havendo espaço para o medicamento homeopático industrializado, temos uma escola de Homeopatia que ensinou ao médico uma prescrição muito precisa. Mais que isso, com essa liberdade prescritiva e a disposição das farmácias no aviamento dessas prescrições, permitiu que muitas inovações, na clínica homeopática, pudessem ocorrer.

Temos uma experiência em homeopatia que deveria ser melhor divulgada para o mundo. Uma colega costuma dizer que só não nos conhecem mais, por causa da língua. Embora exista uma produção científica em Homeopatia, seus resultados chegam pouco, em outros países, e, assim, não há muito troca.

Sim, o farmacêutico homeopata encarou, ao longo dos últimos 20 anos, uma série de desafios e vem passando por eles, de forma elogiável, com o objetivo de manter a homeopatia em alto nível de qualidade e de eficácia. O farmacêutico homeopata sabe que a qualidade do medicamento homeopático não pode ser um viés dentro do tratamento.
PHARMACIA BRASILEIRA - Quando, enfim, teremos um país homeopatizado?
Dra. Márcia Gutierrez - Acho que, a partir da aprovação da Política, podemos dizer que temos a possibilidade de homeopatização. Interessante esse processo, pois, agora, é a vez de o cidadão manifestar-se em favor de um direito garantido pela política: o direito de acesso à homeopatia, à fitoterapia, à acupuntura e a outras terapias.

Este exercício de cidadania certamente eleva o nível de consciência da população sobre o seu papel na sociedade e nas mudanças possíveis.

Na  homeopatia,   esta   é  uma    das    expectativas    que    aceleram   um  processo   de   cura.           O auto-conhecimento que se adquire, a partir da auto-observação, permite que o indivíduo, ao longo do tempo, descubra que possibilidades ele tem de adoecer, de evitar que isto ocorra e até de se curar. É, quase sempre, uma questão de escolha. Neste momento de homeopatização do País, estamos diante das possibilidades. Precisamos conquistá-la, demonstrando o interesse.
PHARMACIA BRASILEIRA - Que papel terá o farmacêutico homeopata nesse contexto de transformações que sacodem o SUS?
Dra. Márcia Gutierrez - O farmacêutico, como profissional de saúde, homeopata ou não, não pode omitir-se, diante da não implantação da Política. Justificada a sua presença, no SUS, passa a ser um direito da população e devemos facilitar o acesso a ela, assim como as demais terapêuticas que deverão ser disponibilizadas.

Os homeopatas em especial devem envolver-se, pois existem benefícios indiretos importantíssimos garantidos pela Política. Acredita-se que 70% dos médicos formados pelas faculdades de Medicina, hoje, são direcionados ao trabalho no SUS. A partir do momento em que o SUS necessita de médicos homeopatas, estes profissionais passam a exigir que as faculdades os formem, também, para esta especialidade.

Uma vez implantada a cadeira de Homeopatia, nas faculdades de Medicina, como parte integrante da formação do médico, núcleos de pesquisa se formam e verbas à pesquisa em Homeopatia (garantidas pela política) devem, também, ocorrer. O farmacêutico homeopata deve estar atento, garantindo a sua participação em todo este processo, gerado, a partir deste novo momento.

Eu gostaria de completar esta oportunidade, dizendo que a PNPIC é conseqüência do estado democrático em que vivemos. Não é possível que terapêuticas que contribuam para a qualidade de vida da população cuja eficácia e segurança são pontos fortes, cujos conhecimentos fazem parte da história do País e do conhecimento popular, no caso da fitoterapia, fiquem restritas a consultórios particulares e conseqüentemente ao alcance apenas da minoria.

No momento, temos a oportunidade de exercitar nosso direito dentro desse modelo democrático, exigindo que ela saia do papel, da teoria e se efetive, para que possa ser escolhida por aquele que pretende ser tratado por ela. Acho que a manifestação dessa vontade é, também, um exercício democrático próprio de um estado de direito.

Uma forma de manifestação é a assinatura do abaixo assinado coordenado pela ONG Ação pelo Semelhante, intitulado Homeopatia Direito de Todos, que pode ser feito em farmácias homeopáticas (muitas já disponibilizaram para população) ou mesmo por meio eletrônico, através do site 
www.semelhante.org.br.PHARMACIA BRASILEIRA - Dra. Márcia, a Política recomenda, mas não obriga, que os Municípios incluam a homeopatia na saúde pública. Qual a sua expectativas sobre a adesão dos Municípios à homeopatia?
Dra. Márcia Gutierrez - Como homeopata, a minha vontade de ver efetivado o atendimento em homeopatia aos usuários do SUS é muito grande. Contudo, vale repetir quantas vezes forem necessárias, que a Portaria é uma recomendação que permite e dá liberdade ao gestor para a inclusão da homeopatia e demais terapêuticas previstas pela política no rol de atendimentos. Daí até a sua implantação, algumas ações devem acontecer.

Imaginemos cada um de nós como administrador de um negócio, seja ele do ramo de atividade que for. Um administrador de visão normalmente se antecipa diante das tendências, sempre que possível. Sai à frente do negócio e se destaca aquele que se antecipa, aquele que é pró-ativo.

Outros aguardarão a tendência se concretizar, em moda ou atualidade, para, então, a incorporarem ao negócio. Nesta comparação, temos exemplos de gestores que já oferecem a homeopatia e que vêm se ajustando quanto ao acesso ao medicamento, além de outras medidas.

Muitos, e talvez a maioria dos gestores, aguardarão que um movimento popular os cobre por isto. Não é uma crítica, é um fato. A demanda do SUS é algo assustador em números. Então, claro, o gestor acaba priorizando.

Um colega farmacêutico que já foi gestor e, hoje, ocupa cargo no Ministério da Saúde já revelou publicamente que o maior trabalho do gestor, atualmente, está em acelerar processo de aquisição de medicamentos por ordem judicial. Esta é uma grande demanda atual e que ocorre por um movimento popular. A população sabe que, a partir de uma determinação da Justiça, o Estado deve atender à sua necessidade de medicamento. Então, ela exercita esse seu direito.

Com a homeopatia acontecerá o mesmo. Se a população souber os benefícios que podem ocorrer em sua saúde, a partir de um atendimento em homeopatia e que este atendimento pode ser disponibilizado, nos centros de saúde, poderá mover o gestor a buscar por esta terapêutica.
PHARMACIA BRASILEIRA - E quem será o maior interessado em divulgar os benefícios da homeopatia e em cobrar a sua inclusão, no serviço público, pelos gestores municipais?
Dra. Márcia Gutierrez - Bem, acredito que todo profissional de saúde que conhece os benefícios da homeopatia e sua aplicabilidade serão defensores da sua disponibilização, no SUS. Mas aposto mesmo em um movimento dos homeopatas. Afinal, depois da população, devido à qualidade de saúde que terá, estes serão os beneficiados diretamente com esta ampliação da homeopatia.

Os farmacêuticos, pelo campo de trabalho expandido, já que certamente as parcerias com o Estado, em pequenos centros, serão fundamentais para a sua efetivação e a garantia de acesso ao medicamento. O clínico homeopata, por sua vez, poderá desenvolver a sua clínica na atividade pública que, normalmente, já faz parte de sua atividade profissional. Isto amplia a sua experiência e cria maior movimentação na clínica particular. As entidades devem esclarecer os seus profissionais sobre este assunto, mas os profissionais devem também estar informados.

A ABFH tem disponibilizado para os seus associados um kit para que eles o divulguem. Os interessados em divulgá-lo, em suas farmácias, podem fazer contato com a nossa secretaria, em São Paulo, pelo telefone 
(11) 5574-5278 ou pelo e-mailabfh@abfh.com.br

■ Nota da redação: o e-mail da Dra. Márcia Gutierrez, Presidente da ABFH, é
marcia@sensitiva.com.br

Fernando Henrique Cardoso

FHC diz não endossar mais PSDB que não defenda a sua história

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MARIA CRISTINA FRIAS
COLUNISTA DA FOLHA
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Atualizado às 06h58.
"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ontem, em entrevista no instituto que leva seu nome, no centro de SP.
Presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique defende que o partido anuncie dois anos antes das eleições presidenciais seu candidato. "O PSDB não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D."
O ex-presidente diz que Lula "desrespeitou a lei abundantemente" na campanha e que promove "um complexo sindical-burocrático-industrial, que escolhe vencedores, o que leva ao protecionismo".
Para FHC, a tradição brasileira de "corporativismo estatizante está voltando". Lula é uma "metamorfose ambulante que faz a mediação de tudo com tudo".
Folha - José Serra aproveitou a oportunidade do segundo turno como deveria?
Fernando Henrique Cardoso - Cada um tem um estilo e Serra foi fiel ao estilo dele. Tomou as decisões dele na campanha, com o [marqueteiro Luiz] Gonzalez. Não fez diferente do que se esperaria de Serra como um candidato persistente, que define uma linha e, aconteça o que acontecer, vai em frente.
O PSDB, e não o Serra, tem outros problemas mais complicados. Não é falta de bons candidatos. O problema é ter uma noção do coletivo, uma linguagem que expresse o coletivo, que não pode ser fechado no partido. Numa sociedade de 130 milhões de eleitores, a mensagem conta muito --no conteúdo e no modo que se transmite.
Como o Lula ficou muito fixado numa comparação para trás, os candidatos esqueceram a campanha e não definiram o futuro. Esse é o desafio --para o PSDB também.
O nosso futuro vai ser, outra vez, fornecer produtos primários? Ou vamos desenvolver inovação, modificar a educação, continuar a industrialização. Isso não foi posto [na campanha]. Qual será nossa matriz energética. Preocupa-me muito a discussão do petróleo.
Nesse campo, o seu governo quebrou o monopólio da Petrobras e implantou o modelo de concessão. A fórmula proposta por Lula, de partilha, para o pré-sal, que traz novos privilégios à Petrobras, é melhor?
Não posso responder, porque não vi a discussão. Preocupa-me esse modelo porque força uma supercapitalização [da Petrobras] sem que se saiba bem qual será o modelo de venda desse petróleo. Essa forma de partilha proposta é uma estatização do risco. O risco quem corre é o Estado, ao contrário do modelo de concessão.
O que estamos fazendo é uma dívida. Isso obriga a sobrecapitalizar a Petrobras. Parece que não temos mais problemas de poupança no Brasil. Entramos numa ilusão tremenda nessa matéria. O Tesouro faz a dívida com o mercado e empresta para o BNDES ou para a Petrobras. É como se não precisássemos mais poupar. Mas a dívida está aí. Essa questão o PSDB não politizou.
O governo Lula mobiliza fundos públicos e paraestatais e patrocina a formação de grandes empresas no país, uma espécie de complexo "industrial-burocrático", parodiando o "industrial-militar" do Eisenhower [em 1961, ao deixar o governo, o então presidente dos EUA Dwight Eisenhower alertou para os riscos de uma influência excessiva do complexo industrial-militar para o processo democrático]. Há mais ruptura ou continuidade em relação ao processo que se iniciou no seu governo, quando o BNDES e os fundos de pensão das estatais viabilizaram as privatizações?
Tudo é uma questão de medida. Os fundos [de pensão] entraram na privatização porque já tinham ações nas teles e participar do grupo de controle lhes dava vantagem. Fizeram um bom negócios Mas tive sempre o cuidado da diversificação. No mundo integrado de hoje, convém que a economia tenha um setor público eficiente e que tenha um setor privado, nacional e estrangeiro. Tentamos equilibrar isso.
O problema agora é de tendência, de gigantismo de uns poucos grupos, nesse complexo, que na verdade é sindical-burocrático-industrial, com forte orientação de escolher os vencedores. Isso é arriscado do ponto de vista político e leva ao protecionismo.
A máxima "política tem fila" foi usada para defender a precedência de Serra sobre Aécio na eleição de 2010. A fila andou ontem? Chegou a vez de Aécio Neves no PSDB?
Eu não posso dizer que passou a primeiro lugar, mas que o Aécio se saiu bem nessa campanha, se saiu. Não posso dizer que passou a primeiro lugar porque o Serra mostrou persistência e teve um desempenho razoável.
Não diria que existe um candidato que diga: "Eu naturalmente serei". Mas o PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse é tem de ser de todo mundo, tem de ser coletivo.
Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo. Tem de defender o que nós fizemos. A privatização das teles foi bom para o povo, para o Tesouro e para o país. A privatização da Vale foi um gol importante, porque, além do mais, a Vale é uma empresa nacional. A privatização da Embraer foi ótima.
Então por que não dizer isso? Por que não defender? Privatizar não é entregar o país ao adversário, pegar o dinheiro do povo e jogar fora. Não. É valorizar o dinheiro do país. Tudo isso criou mais emprego, deu mais renda para o Estado.
Do ponto de vista econômico, as questões estão bem encaminhados. Os motores da economia são fortes. Os problemas maiores são em outras áreas: educação, segurança, democracia, igualdade perante a lei, droga. Não é para saber se a economia vai crescer, é se a sociedade vai ser melhor.
Sobre a democracia no Brasil, o sr. escreveu, recentemente, que é uma maquinaria institucional em andamento, mas que lhe falta o "espírito": "a convicção na igualdade perante a lei, a busca do interesse público e de um caminho para maior igualdade social". Sinais desse espírito no processo eleitoral que se encerrou?
Francamente não vejo. O presidente Lula desrespeitou a lei abundantemente. Do ponto de vista da cultura política, nós regredimos. Não digo do lado da mecânica institucional --a eleição foi limpa, livre. Mas na cultura política, demos um passo para trás, no caso do comportamento [de Lula] e da aceitação da transgressão, como se fosse banal.
Houve abuso do poder político, que tem sempre um componente de poder econômico. Quantos prefeitos foram cassados aqui em São Paulo, por exemplo em Mauá, por abuso do poder econômico? Por nada, comparado com esse abuso a que assistimos agora. Não posso dizer que houve progresso da cultura democrática brasileira.
Aqui está havendo outra confusão. Pensar que a democracia é simplesmente fazer com que as condições de vida melhorem. Ela é também, mas não se esqueça que as ditaduras fazem isso mais depressa.
Como o sr. vê a volta de temas como religião na campanha?
Com preocupação. O Estado é laico, e trazer a questão religiosa para primeiro plano de uma discussão política não ajuda. Todas as religiões têm o direito de pensar o que queiram e de pregar até o comportamento eleitoral de seus fieis. Mas trazer a questão como se fosse um debate importante, não acho que ajude.
A dose dos chamados marqueteiros nas campanhas tucanas está exagerada?
Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a população quer naquele momento. A população sempre quer educação, saúde e segurança, e então você organiza tudo em termos de educação, saúde e segurança.
Sem perceber que a verdadeira questão é como você transforma em problema uma coisa que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Aí você abre um caminho. A pesquisa é útil não para você repetir o que ela disse, mas para você tentar influenciar no comportamento, a partir de seus valores.
Suponha uma pesquisa sobre privatização em que a maioria é contra. A posição do líder político é tentar convencer a população [do contrário]. O que nós temos na campanha é a reafirmação dos clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo. O líder muda, não segue.
Como mostrar as diferenças entre PT e PSDB? As ideias tucanas não são difíceis de assimilar?
Você se lembra de quando fui presidente? A ambição de todo mundo era cortar a burocracia. Por quê? Porque foi politizado.
É preciso politizar, e não é na hora da campanha.O PSDB, quando digo que tem que ter por referência o coletivo e ter um projeto, é agora. Não é para daqui a quatro anos. Daqui a quatro anos é tarde. Ou durante quatro anos você martela os seus valores e transforma os seus valores em algo que é compartilhado por mais gente, ou chega lá e não consegue. É tarde.
Mas o PSDB deixou o Lula falando sozinho um bom tempo.
Não foi só o PSDB. Foi todo mundo. Quando o nosso sistema presidencialista é exercido a partir de uma pessoa carismática como o Lula e que tem por trás um partido organizado, ele quase se torna um pensamento único.
Aqui, fora da campanha, só o governo fala. Quando fala sem parar, o caso atual, e sob forma de propaganda, fica difícil de controlar. No meu tempo, também era o governo que falava. Como não tenho o mesmo estilo e não usava uma visão eleitoreira o tempo todo, não aparecia tanto. Mas isso é da cultura brasileira.
Jornal dá o "outro lado", mas a TV não dá --só dá na campanha. O que a mídia em geral transmitiu ao longo desses oito anos? Lula, violência e futebol.
A oposição, liderada pelo PSDB, ficou mais forte nos Estados e mais fraca no Congresso. Como fará para resistir à força gravitacional do Planalto?
Não é fácil, porque os Estados têm interesses administrativos. Mas um pouco mais de consistência oposicionista pode. No regime militar, Montoro e Tancredo eram governadores e se opunham. É preciso recuperar um pouco essa dimensão política.
Mas o carro chefe para puxar [a oposição] não pode ser o governador. Tem de ser o partido. E não é o PSDB só. Esses 44 milhões [votação de Serra no domingo] não são do PSDB. É uma parte da sociedade brasileira que pensa de outra maneira. E não se pode aceitar a ideia de que são os mais pobres contra os mais ricos. Nunca vi uma elite tão grande: 44 milhões de pessoas.
A polarização nacional entre PT e PSDB completou 16 anos. Tem feito mais bem ou mais mal ao Brasil?
O que o Chile fez na forma da Concertação [a aliança entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã que governou o Chile de 1990 a 2010], fizemos aqui sob a forma de oposição. Há muito mais uma linha de continuidade que de quebra. Queira ou não queira, o pessoal do PT aderiu, grosso modo, ao caminho aberto por nós. Isso é que deu crescimento ao Brasil. A briga, na verdade, é pelo poder, não é tanto pelo conteúdo que se faz. No tempo que cheguei lá, eu escrevi o que ia fazer e fiz. Nunca mudei o rumo. O Lula mudou o rumo. Agora acho que tem aí o começo de um rumo que não é o mesmo meu, que é esse mais burocrático-sindical-industrial. E tem uma diferença na concepção da democracia, e o PSDB tem de acentuar essa diferença.
Mas o que seria essa social-democracia?
Social-democracia, vamos devagar com o ardor. O sujeito da social-democracia europeia eram a classe trabalhadora e os sindicatos. Aqui são os pobres. O Lula deixou de falar em trabalhador para falar em pobre. Mudou. Nós descobrimos uma tecnologia de lidar com a pobreza, mas estamos por enquanto mitigando a pobreza.Tem de transformar o pré-sal em neurônio. Esse é o saldo para uma sociedade desenvolvida. Social-democracia hoje é isso. É inclusão social, respeitando o mercado, sabendo que o Estado terá um papel importante, mas não é tudo, e que o mercado tem de ser regulado de olho numa inclusão que não seja só de mitigação. Não pode ter predomínio do olhar do Estado. Está se perfilando, no PT e adjacências, uma predominância do olhar do Estado, como se o Estado fosse a solução das coisas. Continuo achando que o Estado é indispensável, mas a sociedade deve ter uma participação mais ativa. Os movimentos sociais estão todos cooptados.Então a diferença entre PT e PSDB, para o sr., se dá em relação ao papel do Estado. Mas não no sentido de não ter papel para o Estado. No sentido de que esse papel tenha de ser de um Estado que se abra para a sociedade. Não de um Estado burocrático, que se imponha à sociedade.A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo.Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.O sr. sente que isso tende a se aprofundar nesse novo governo? Sim, a segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes [O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) defendeu, em sua obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", a intervenção do Estado na economia para controlar as crises econômicas]. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes.
Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a sociedade nossa é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a também ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz.Como todo mundo percebia uma tendência nesse sentido, ela disse: "Olha aqui, vou respeitar a democracia, vou dar a mão a todos". Ela tem que dizer isso, porque senão ela não governa.O que esperar de Dilma Rousseff, que estreia num cargo eletivo logo na Presidência, no dia 1º de janeiro? Nós não sabemos não só o que ela pensa, mas como é que ela faz. O Brasil deu um cheque em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer com a conjuntura econômica, mundial e aqui. Há um problema complicado na balança de pagamentos, um deficit crescente, uma taxa de juros elevada e uma taxa de câmbio cruel.+ Notícias sobre eleições